sexta-feira, 9 de setembro de 2011

10/09/11 - 6º LETRAS - SERES HUMANOS E SUAS TECNOLOGIAS NO TEMPO E NO ESPAÇO

DESDE NOSSO PRIMEIRO ENCONTRO, TEMOS DISCUTIDO SOBRE AS RELAÇÕES DOS SERES HUMANOS COM AS TECNOLOGIAS QUE ELE MESMO CRIA, SOBRE O IMPACTO DELAS NA VIDA COTIDIANA, O QUE AUTOMATICAMENTE INCLUI NESTE ROL A REFLEXÃO SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS DO USO OU DA RECUSA DAS TECNOLOGIAS.

TRATA-SE DE UM ASSUNTO POLÊMICO, DE UM DEBATE NECESSÁRIO E RELEVANTE, DESDE QUE SE LEVE EM CONTA QUE PARA PENSAR NO PRESENTE E NO FUTURO, PRECISAMOS VISITAR E REVER NOSSO PASSADO SÓCIO-HISTORICAMENTE SITUADO.

NA ATIVIDADE DE HOJE, FAREMOS UMA VIAGEM NA HISTÓRIA, ACOMPANHADOS DE GALILEU GALILEI E DE EDGAR MORIN. NO PRIMEIRO FRAGMENTO, VOCÊ LERÁ PARTE DA PEÇA TEATRAL DE BERTOLD BRETCH, QUE APRESENTA UM DIÁLOGO RIQUÍSSIMO ENTRE O CIENTISTA E SEU APRENDIZ ANDREA.

NO SEGUNDO EXCERTO, VOCÊ CONHECERÁ PARTE DO PENSAMENTO DO FILÓSOFO EDGAR MORIN QUANTO ÀS INCERTEZAS HISTÓRICAS QUE O FUTURO NOS RESERVA.

APÓS AS LEITURAS, DISCUTA COM SEUS COLEGAS SOBRE O IMPACTO QUE OS FATOS HISTÓRICOS CAUSAM EM NOSSAS VIDAS. INCLUA EM SEU DEBATE TUDO QUE VOCÊ PENSOU OU SENTIU AO SE DAR CONTA DE QUE O FUTURO É "COMPLETAMENTE" IMPREVISÍVEL E INCONTROLÁVEL. 



TUDO SE MOVE, MEU AMIGO


            [...] Há dois mil anos a humanidade acreditou que o Sol e as estrelas do céu giram em torno dela. O papa, os cardeias, os príncipes, os sábios, capitães, comerciantes, peixeiras e crianças de escola, todos achando que estão imóveis nessa bola de cristal. Mas agora nós vamos sair para fora, Andrea, para uma grande viagem. Porque o tempo antigo acabou, e agora é um tempo novo. Já faz cem anos que a humanidade está esperando alguma coisa.
            As cidades são estreitas, e as cabeças também. Superstição e peste. Mas, agora, veja o que se diz: se as coisas são assim, assim não vão ficar. Tudo se move, meu amigo.
            Gosto de pensar que tudo tenha começado com os navios. Desde que há memória, eles vinham se arrastando ao  longo da costa, mas, de repente, deixaram a costa e exploraram os mares todos.
            Em nosso velho continente nascia um boato: existem continentes novos. E agora que os nossos barcos navegam até lá, a risada é geral nos continentes. O que se diz é que o grande mar temido é uma lagoa pequena. E surgiu um grande gosto pela pesquisa de todas as coisas: saber por que cai a pedra se a soltamos, e como sobe a pedra que arremessamos. Não há dias em que não se descubra alguma coisa. Até os velhos e os surdos puxam conversa para saber das últimas novidades.
            Já se descobriu muita coisa, mas há mais coisas ainda que poderão ser descobertas. De modo que também as novas gerações têm o que fazer.
            Em Siena, quando moço, vi uma discussão de cinco minutos sobre a melhor maneira de mover blocos de granito; em seguida, os pedreiros abandonaram uma técnica milenar e adotaram uma disposição nova e mais inteligente das cordas. Naquele lugar e naquele minuto fiquei sabendo: o tempo antigo passou, e agora é um tempo novo. Logo a humanidade terá a idéia clara de sua casa, do corpo celeste que ela habita. O que está nos livros antigos não lhe basta mais.
            Pois onde a fé teve mil anos de assento, sentou-se agora a dúvida. Todo mundo diz: é, está nos livros -, mas agora nós queremos ver com nossos olhos.
            As verdades mais consagradas são tratadas sem cerimônia; o que era indubitável, agora é posto em dúvida. Em conseqüência, formou-se um vento que levanta as batinas brocadas dos príncipes e prelados, e põe à mostra pernas gordas e pernas de palito, pernas como as nossas pernas. Mostrou-se que os céus estavam vazios, o que causou uma alegre gargalhada.
            Mas as águas da Terra fazem girar as novas rocas, e nos estaleiros, nas casas de cordame e de velame, quinhentas mãos se movem em conjunto, organizadas de maneira nova.
            Predigo que a astronomia será comentada nos mercados, ainda em tempos de nossa vida.  Mesmo os filhos das peixeiras quererão ir à escola. Pois os habitantes de nossas cidades, sequiosos de tudo que é novo, gostarão de uma astronomia  nova, em que também a Terra se mova. O que constava é que as estrelas estão presas a uma esfera de cristal para que não caiam. Agora juntamos coragem, e deixamos que flutuem livremente, desancoradas e elas estão em grande viagem, como as nossas caravelas, desancoradas, e em grande viagem.
            E a Terra rola alegremente em volta do Sol, e as mercadoras de peixe, os comerciantes, os príncipes, os cardeais, e mesmo o papa, rolam com ela.
            Uma noite bastou para que o universo perdesse o seu ponto central; na manhã seguinte, tinha uma infinidade deles. De modo que agora qualquer um pode ser visto como centro, ou nenhum. Subitamente há muito lugar. Nossos navios viajam longe. As nossas estrelas giram no espaço longínquo, e mesmo no jogo de xadrez, agora a torre atravessa o tabuleiro de lado a lado. Como diz o poeta: “ó manhã dos inícios!...
Fonte: A vida de Galileu – Bertold Brecht




OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO – EDGAR MORIN


            Ainda não incorporamos a mensagem de Eurípedes, que é a de estarmos prontos para o inesperado. O fim do século XX foi propício, entretanto, para compreender a incerteza irremediável da história humana.

            Os séculos precedentes sempre acreditaram em um futuro, fosse ele repetitivo ou progressivo. O século XX descobriu a perda do futuro, ou seja, sua imprevisibilidade. Esta tomada de consciência deve ser acompanhada por outra, retroativa e correlativa: a de que a história humana foi e continua a ser uma aventura desconhecida. Grande conquista da inteligência seria poder enfim se libertar da ilusão de prever o destino humano. 

            O futuro permanece aberto e imprevisível. Com certeza, existem determinantes econômicas, sociológicas e outras ao longo da história, mas estas encontram-se em relação instável e incerta com acidentes e imprevistos numerosos, que fazem bifurcar ou desviar seu curso.
          
         As civilizações tradicionais viviam na certeza de um tempo cíclico, cujo funcionamento devia ser assegurado por sacrifícios às vezes humanos. A civilização moderna viveu com a certeza do progresso histórico. A tomada de consciência da incerteza histórica acontece hoje com a destruição do mito do progresso. O progresso é certamente possível, mas é incerto.


A INCERTEZA HISTÓRICA

            Quem teria pensado, na primavera de 1914, que um atentado cometido em Sarajevo desencadearia a guerra mundial que duraria quatro anos e que faria milhões de vítimas?
            Quem teria pensado, em 1916, que o exército russo se desagregaria e que um pequeno partido marxista, marginal, provocaria, contrariamente à própria doutrina, a revolução comunista em outubro de 1917?
            Quem teria pensado, em 1918, que o tratado de paz assinado trazia em si os germes da Segunda Guerra Mundial, que arrebentaria em 1939?
            Quem teria pensado, na prosperidade de 1927, que uma catástrofe econômica, iniciada em 1929, em Wall Street, se abateria sobre o planeta?
            Quem teria pensado, em 1930, que Hitler chegaria legalmente ao poder em 1933?
            Quem teria pensado, em 1940-41, afora alguns irrealistas, que o formidável domínio nazista sobre a Europa, após os impressionantes progressos da Wehrmacht na URSS até as portas de Leningrado e Moscou, seria acompanhado em 1942 pela reviravolta total da situação?
            Quem teria pensado, em 1943, durante plena aliança entre soviéticos e ocidentais, que a guerra fria se manifestaria três anos mais tarde entre estes mesmos aliados?
            Quem teria pensado, em 1980, afora alguns iluminados, que o Império Soviético implodiria em 1989?
            Quem teria imaginado, em 1989, a Guerra do Golfo e a guerra que esfacelaria a Iugoslávia?
            Quem, em janeiro de 1999, teria sonhado com os ataques aéreos sobre a Sérvia, em março de 1999, e no momento em que estas linhas são escritas, pode medir suas consequências?
            Ninguém pode responder a estas questões no momento da escrita destas linhas, que , talvez, ficarão ainda sem resposta durante o século XXI. Como dizia Patocka: 'O devenir é doravante problematizado e o será para sempre.' O futuro chama-se incerteza.


UM MUNDO INCERTO

            A aventura incerta da humanidade não faz mais do que dar prosseguimento, em sua esfera, à aventura incerta do cosmo, nascida de um acidente impensável para nós, e que continua no devenir de criações e destruições.

            Aprendemos, no final do século XX que, à visão do universo obediente a uma ordem impecável, é preciso substituir a visão na qual este universo é o jogo e o risco da dialógica/dialética (relação ao mesmo tempo antagônica, concorrente e complementar) entre a ordem, a desordem e a organização.

            A Terra,  provavelmente, em sua origem – um monte de detritos cósmicos oriundos de uma explosão solar - , ela própria se auto-organizou na dialógica entre ordem/desordem/organização e sofreu não apenas erupções e terremotos, mas também o choque violento de aerólitos, dos quais um talvez tenha provocado o desprendimento da Lua.


            ENFRENTAR AS INCERTEZAS

            Nova consciência começa a surgir: o homem, confrontado de todos os lados pelas incertezas, é levado em nova aventura. É preciso aprender a enfrentar a incerteza, já que vivemos em uma época de mudanças em que os valores são ambivalentes, em que tudo é ligado. É por isso que a educação do futuro deve se voltar para as incertezas ligadas ao conhecimento.